Baseado
na obra de Sandel, Michael J, O Que o Dinheiro Não Compra – Os Limites
Morais do Mercado in O Mercado e a Moral” – Ed. Civilização Brasileira – Rio de
Janeiro – 2012, pode-se levantar três questões: 1. O dinheiro de fato pode
comprar todos os bens? 2. Se não pode comprar todos os bens, o que de fato pode
comprar? 3. O que é que se pode esperar da ação do Estado?
Neste artigo, iremos tentar responder três questões que são comumente discutidas na sociedade em todos seus níveis sobre o valor moral do dinheiro, bem como tentar de forma resumida abordar os motivos de um Estado cheio de liberdades, porém por outro lado regulador, principalmente da economia que mantém a dinâmica de uma sociedade de mercado!
1. O DINHEIRO DE FATO PODE COMPRAR TODOS OS BENS?
Torna-se
imperativo, antes de se responder esta questão filosófica e ao mesmo tempo
mercadológica, definir à que bens estamos colocando como objeto da questão.
Filosoficamente a própria pergunta nos remete à uma resposta rápida e objetiva se
generalizarmos “O que são esses bens”, que no caso teríamos como
resposta somente um “não” , no entanto, a estratificação do conceito de
bens torná-se necessária para compreensão mais refinada da questão.
Bens
podem ser classificados em alguns grupos, tais como como Bens Livres,
que são àqueles relacionados ao livre acesso de todos e que não há como
mensurar preços/valores , tais como ar, a luz solar, o mar, etc..., como Bens
Econômicos, que são àqueles em que há a possibilidade de se atribuir
preços, e que são relativamente escassos e atribuídos à algum esforço humano,
que podem também se subdividir em Bens Materiais, tais como Bens
de Consumo e Bens de Capital, e por fim, ainda na senda
dos Bens Econômicos, pode-se subclassificar os Serviços, que propriamente
são intangíveis, porém possuem preços e valores no mercado, e por último e não
menos importante , e talvez seja o cerne principal desta
questão filosófica, devemos destacar os Bens Morais, atribuídos
tão somente à conduta humana na sociedade, seja na esfera de suas relações
sociais privadas ou públicas. Há de se destacar também, porém sem igual
importância para a questão filosófica da resposta, mas coerente nesta
fundamentação, no ordenamento jus-brasileiro, os bens em geral possuem classificações
mais refinadas que colaboram para o entendimento jurídico das coisas.
Nesta
seara de classificações, subdivisões e atribuições conceituais sobre Bens, nos
deparamos com a notória definição que praticamente tudo pode ter um preço no
mercado, até mesmo o ar, o mar e a luz solar, pois mesmo classificados como
bens livres, indiretamente, o mercado atribui valores ao seu uso, ora por
questões de saúde, ora por questões turísticas, ora por questões do meio
ambiente, emprestando como exemplo a venda de crédito de carbono, produtos para
proteção da pele contra a luz solar, preservação do ecossistema marinho com a
taxação do uso e frutos turísticos e etc...
Então,
o que realmente importa quando estabelecemos correlações de preços na relação
compra e venda é a abstração total nesta relação dos Bens Morais, cujos bens
não se atribuem preços, mas valores significativos e não monetários de maior
importância na sociedade que estabelecem vínculos cívicos e sociais. Portanto,
diante desta pequena fundamentação, o dinheiro, ainda não pode comprar de fato
tudo na vida, desde que os Bens Morais não sejam abstraídos da questão.
2. SE NÃO PODE COMPRAR TODOS OS BENS, O QUE DE FATO
PODE COMPRAR?
Comprar
é uma das ações diretas das relações de compra e venda do mercado, onde logicamente
se há um comprador, decerto teremos do outro lado um vendedor, que ambos
estabelecerão um preço a ser atribuído na concretização desta relação, e assim,
se alguma coisa pode ser comprada, esta mesma coisa também pode ser
vendida, o que mesmo parecendo óbvio, há de se lembrar que muitas coisas podem
ter fixação de preços de venda, no entanto, o mercado não atribui condições de
compras, principalmente se ultrajar o âmbito da ética, da moral e da
civilidade, e o mesmo também, inversamente, nem tudo que se quer comprar
pode ter fixação de preço de venda, pelos mesmos motivos éticos, morais e
cívicos.
Deste
modo, dentro da relação imperativa da compra e venda, de fato, o que o
dinheiro pode comprar não está relacionado aos bens titulados como Morais, pois
não possuem valores monetários, mas valores significativos da conduta
humana e da convivência social dentro de um conceito arraigado axiológico a que
se propõe pertencer.
Não
é muito raro de se encontrar, principalmente nas questões que envolvem quesitos
sociais de alta relevância, tais como Pleitos e Serviços Públicos, aqueles que
comprarão um voto, desde que haja alguém que queira vender, ou negociações
paralelas para adquirir um determinado serviço público, e neste sentido ambas
relações ferem Leis, rebaixam a axiologia da vida cívica e social e escarnam a
condição ética humana. Portanto, quando usamos a palavra “pode” como verbo e
não como um substantivo, estamos atribuindo hipóteses, e dessas inúmeras
hipóteses do que o dinheiro pode comprar, uma delas nos remete, por
exemplo, a situação da vida humana amparada no direito fundamental do
Homem, inviolável aos “olhos” sociais e jurídicos e tutelada pela conservação
dos Bens Morais, também pode ser uma “coisa” na relação de Compra e Venda no
mercado, lembrando que os casais estéreis adquirirem espermas e óvulos através
dos serviços médicos de fertilização e alugam um ventre de uma
outra mulher para a gestação financiada desta fecundação; Este ente humano, que
tem vida, torna-se a “coisa” comercializada, ultrajando praticamente
todas as questões morais sobre a vida, no entanto, satisfaz as necessidades
morais dos casais estéreis, que igualmente possuem a oportunidade de serem
felizes, constituírem família e desenvolverem-se junto com a sociedade que os
recebeu dentro dos ditâmes morais da convivência social.
Percebe-se
então que até mesmo os Bens Morais podem fazer parte indiretamente da Relação
de Compra e Venda no mercado, porém com diferentes hipóteses que devem ser
avaliadas em contexto geral, pois mesmo ferindo um uma ou outra questão
axiológica, por outro lado pode-se ao mesmo tempo valorar-se.
A
princípio, e de fato o dinheiro pode comprar tudo, dependendo à que se destina
e sua aceitação dentro dos conceitos morais e valorativos da sociedade à que se
fez presente a relação da Compra e Venda.
3. O QUE É
QUE SE PODE ESPERAR DA AÇÃO DO ESTADO?
O
Estado como tutor da sociedade que o mantém, e gestor dos recursos
arrecadados que devem retornar à sociedade através de serviços públicos no
âmbito da Educação, Saúde, Lazer , Segurança, Justiça, e outros bens
denominados sociais , não tem outra opção que não seja moderar as relações
comerciais no âmbito da soberania de sua nação, vez que sua única fonte de
renda provêm justamente dos impostos, taxas e tributos que geralmente se
acumulam nas relações de Produção, Compra e Venda do mercado que ele mesmo
regula. Sua moderação sempre deverá ser com base na preservação dos Bens
Morais da Sociedade, procurando nunca extinguir a vertente, o ciclo e
principalmente os limites econômicos do mercado, mas sempre regular seu avanço
quando o valor atribuído ao dinheiro preterir o valor moral, social e jurídico
das relações sociais. O crescimento e a expansão econômica do mercado não só é
importante, como também é necessário ao Estado com regime econômico
capitalista, dada a conceituação básica de ser o meio principal das atividades
financeiras do Estado e conseqüente aplicação na sociedade, no entanto, Michael
Sandel in “O que o dinheiro não compra: Os limites morais do mercado, p.16”
tipifica a diferença de uma economia de mercado e uma sociedade de mercado,
onde a primeira é uma ferramenta valiosa e eficaz de organização de uma
atividade produtiva, enquanto a segunda passa a ser um modo de vida em que os
valores de mercado permeiam cada aspecto da atividade humana, concluindo que a
sociedade de mercado é um lugar em que as relações sociais são reformatadas à
imagem do mercado.
A
regulação das atividades econômicas pelo Estado, mesmo em uma espécie de
mercado liberal, dado o incentivo à sua expansão constante, fazem parte de
qualquer governo, no entanto, a regulação deve ser mais acirrada para não se
contaminar com pensamentos, ações e discursos mercadológicos que preterem os
fundos morais, e que colocam à margem do acesso aos bens sociais públicos
grande fatia da população economicamente ativa com poucas condições
financeiras.
O Estado deve ser a garantia, o
incentivador, o tutor e o algoz do próprio mercado quanto este se torna
selvagem e aristocrático.
Moacir Pinto, um social-democrata
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